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DESCARTO-ME

 

“Descartar é uma ação onde se destina “para algum lugar” algo que não tem mais utilidade.

Utilidade é qualidade de um bem ou serviço que o torna apropriado para satisfazer os desejos dos agentes econômicos.

Lixo é aquilo que se joga fora por não ter mais utilidade ou por ser velho.”

(Dicionário Língua Portuguesa – Editora Porto)

 

Um corpo dentro de um saco de lixo parado no meio do espaço urbano, cria um ruído na paisagem mental dos que sempre passam por alí. Este trabalho joga com a experiência de um corpo que resolve se descartar para dialogar com seu entorno. Dentro dele percebo as minhas questões, reflito sobre o que quero descartar, decompor e transformar, na tentativa de encontrar como posso retornar a me conectar com terra. Neste sentido, provoco meu corpo para perceber o entorno e dialogar com ele, embora saiba, que, para muitas pessoas, este trabalho pode dar luz a diferentes possibilidades de sensação. O que percebo é que encontro, ao escolher realizar essa experiência, uma possibilidade de criar bugs no sistema dos que cruzam essa imagem.

O lixo está num lugar de desapego. Ele existe como algo que não nos serve mais. Essa identificação entra no cérebro como um sistema fixo, apagando do mapa perceptivo, tudo aquilo que queremos descartar. Todo o acúmulo que não conseguimos lidar, que não sabemos onde deixar Onde este acúmulo acontece e porque ele acontece? Nos acostumamos a descartar. Está na nossa forma de viver,  nas nossas vidas frenéticas, no excesso de informação e de necessidades. O que realmente é necessário para a nossa existência? Uma mulher me respondeu: “Quase nada”.

 

Experiência #1 – Rua Maria Antônia com Av Consolação em São Paulo-SP: pousei próxima a uma das faixas de pedestre mais movimentada de São Paulo. Diferença de ritmo, eu parada nivelada abaixo de todos, e os outros com os olhos obcecados no semáforo de pedestre, querendo a qualquer custo furar o trânsito para chegar o mais rápido possível ao seu destino. Como estratégia de comunicação, olhava para todos de forma cordial. Alguns se assustaram comigo, outros achavam que estava protestando, alguns me falavam palavras religiosas querendo me ajudar a sair daquela situação, enquanto outros apoiavam a ação. Um homem que passeava com seu cachorro, disse que se estivesse de carro me levaria com ele, ao mesmo tempo em que deixava seu cachorro lamber meu rosto, minhas parceiras de trabalho interviram. Então um casal parou para conversar comigo, disse que precisa mudar de lugar, então ele me pegou em seus braços e me levou até o próximo poste.

Fotos: Papa Fraga

Experiência #2 – Praça da República – São Paulo-SP: neste dia quis pesquisar o corpo em decomposição. Pousei próxima a uma árvore e durante uma hora não me mexi. Entrei em transe, meditei. Para os transeuntes a ação não teve tanto impacto, pois foi um processo que levou meu olhar para dentro. A meditação se tornou um elemento forte para a experiência dessa imagem. Apenas ficar e deixar acontecer a impermanência do mundo.

 

Estou aqui

todos passam por mim

Estou aqui

ninguém vê o fim

Só sei que guardo

Algo que se transforma em mim

Experiência #3 – Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura – Fortaleza-CE: Nordeste brasileiro, cidade em que nasci. Fiz a ação na abertura da Exposição Descartável. Aconteceu muito rápido, quando vi já tinha mudado de lugar 3 vezes, não parei. Crianças me rolaram, fui carregada por várias pessoas e cheguei até ser colocada dentro do lixo, cesta!

Fotos: Luiz Alves

Experiência #4 – Praia de Iracema (Aterrinho ou Praia dos Crush) – Fortaleza-CE: Estratégias para dialogar | Já há algum tempo eu e alguns amigos, frequentadores da praia dos crush no horário da manhã, reclamamos da situação da praia com relação ao lixo. Hoje (20/08/17) fui à praia, no horário de maior movimento (16:30), para tentar dialogar com o espaço e seus frequentadores. Todo domingo final de tarde a praia fica muito lotada e vira uma festa, um movimento de rua belíssimo... mas isso implicou na degradação daquele lugar, pois as pessoas que frequentam a praia não se preocupam em levar consigo o seu lixo. No decorrer da performance Descarto-me, percebi a necessidade de deixar as coisas mais claras. Atitude a qual levou a ação para uma abordagem mais didática, de forma a tentar trabalhar o pensamento, sobre o assunto, de quem vinha conversar comigo. Percebi, em vários discursos, que lixo, para a maioria deles, era “nada”. Então perguntei para eles: se lixo não é nada, isso quer dizer, que lixo não existe? Diante dessa experiência, senti que entrei num lugar de diálogo muito rico.

Fotos: Andrei Bessa

Experiência #5 – Praça do Ferreira – Fortaleza-CE (21/01/2019): O privilégio da estética de beleza padronizada. Tenho esse privilégio... as pessoas da Praça queriam cuidar de mim, me tirar dali... enquanto estava bem tranquila ao passar por essa experiência. Uma roda se formou... todos falavam ao mesmo tempo em um uníssono heterogêneo. Me perguntavam sobre a mensagem... um senhora muito simpática enxugou o meu suor, enquanto um homem foi comprar água pra mim. Outro me deu 10 reais para eu comprar o que comer (eu e Loreta Dialla decidimos deixar esses 10 reais na Praça. Entregamos para dois artistas de rua.) A ação terminou com uma moradora de rua rasgando o meu saco e me tirando dali. Refletindo sobre esse gesto, percebi que a estética é também privilégio. Por quê eles estavam cuidando de mim, enquanto existiam naquela Praça, várias pessoas em situação de Rua? Existiam ali várias pessoas descartadas pelo estado e por todos nós... não reagi... simplesmente deixei ela fazer o que queria... ela sumiu na multidão... e eu... voltei pra minha casa... com cama, comida ... enfim... voltei para os meus privilégios...

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