RESISTÊNCIA
Foto: Rogério Ortiz
Corpo em baixo de um monte de concreto quebrado, se relacionando com seu peso, textura, temperatura e cheiro. Aproveitando as pequenas fissuras entre os blocos pesados, resisto ao peso que está sobre mim, crescendo pelas pequenas aberturas deste espaço impróprio. Que tempo temos para viver se a ação é resistir? O que é existir?
Resistência é a imagem do corpo virado ao avesso. Tempo, rotina, prisão, ascensão, queda, dificuldade, sistema, política, família, cobrança... corpo endurecido, produzido, regido... Escolher ser flexível, maleável... Escolher perder tempo, dançar, observar, sentir... não pode. Para sobreviver é preciso obedecer. Para viver a única opção é criar existência...
Meu corpo nasceu em uma sociedade, a qual sua cultura, privilegia quem a deixa existir. Óbvio? Para que ela exista este corpo precisa receber todos os ensinamentos/ condicionamentos, para que ele possa operar dentro do sistema vigente. Já nasci inserida nele e com destino pré-determinado. Recebi do meio os mapas culturais, os quais são passados, de geração em geração, por intermédio do sistema de ensino familiar e escolar. Hoje percebo que meu corpo entrar em colapso. Ele se sente enconcretado, sem caminhos de dança. Mas como desconstruir isso? Acredito que as estruturas não maleáveis sobrevivem porque somos coniventes a ela. Desta forma, quebro em mim esses conceitos ao encontrar espaços de fuga. Para assim, nascer como "ervas daninhas [que] brota[m] entre as rachaduras das nossas calçadas – desse outro mundo para o nosso mundo” (Hakim Bey). As ervas daninhas sempre foram arrancadas de suas existências por ser aquilo que elas são. Não padronizadas. Por tanto, se fazer brotar na diferença é resistir e existir. Encontro espaços para nascer, abrindo fissuras nas estruturas endurecidas do sistema, e crescer forte.
RELATO DA EXPERIÊNCIA DE GRAVAR O VÍDEO
Sinto o peso do concreto
Gravidade
Impotência do corpo
Movimento aprisionado
Acho espaços
Resisto às asperezas do caminho
Prossigo ao som do brega
(resistência)
Resistência | Aparência ou Realidade é a imagem do corpo virado ao avesso. Tempo, rotina, prisão, ascensão, queda, dificuldade, sistema, política, família, cobrança... corpo endurecido, produzido, regido... Escolher ser flexível, maleável... Escolher perder tempo, dançar, observar, sentir... não pode. Para sobreviver é preciso obedecer.
O processo foi colaborativo, tendo início a partir da minha impossibilidade de participar do Festival Concreto, de Fortaleza-CE, com uma performance, pois o mesmo não tinha verba para pagar transporte e nem cachê dos artistas selecionados. Inquieta, expus o acontecido a Marcus Mazieri (ator, dramaturgo e poeta), e a partir dessa conversa decidimos criar um vídeo para projetar em algum edifício da Av. Dom Luis, avenida localizada no bairro nobre de Fortaleza-CE.
Para a realização do trabalho contei com o apoio de amigos e parceiros de vida artística, e como pagamento, os ofereci um almoço e a amizade. Livia Rios (atriz e bailarina), Papa Fraga (performer e bailarina), Rogério Ortiz (fotógrafo), Vitoriano (músico) e eu embarcamos num carro a procura de um terreno em destroços em São Caetano do Sul-SP. Não sabíamos exatamente onde se localizava o entulho, mas acabamos por encontrar uma coleta da prefeitura, onde Skorpion era o guardião do espaço. Sem pestanejar ele nos autorizou a gravação com um sorriso no rosto. Invadimos de forma consentida o espaço. Encontramos lá uma montanha de telha de amianto, um sofá vermelho todo quebrado, pedaços de concreto e partes podadas de uma planta da espécie primavera. Era tudo que precisávamos. Rogério já deu a ideia para compormos uma das imagens com o sofá e rapidamente a montamos. A coleta não parou de funcionar no decorrer da filmagem. Aconteceu uma troca entre a gente e o espaço, pessoas iam depositar seus entulhos nas caçambas e acabaram por assistir a gravação. Admiradas, perguntavam a Skorpion o que estava acontecendo ali, e ele sem pestanejar respondeu, “é performance”. Todo esse processo foi gerando em mim uma força, mas estava ali, parada sem poder me mexer. Tudo era interferência: as pessoas, o brega tocando no bar da esquina e a gente, que também interferia no espaço deles. Um acontecimento, um happening... Logo em seguida já montamos a outra imagem. Deitei no chão e esperei que a equipe colocasse pedras de concreto sobre meu corpo. Concentrada, esperei por este momento sentindo o peso de cada pedra, e ao brotar do concreto, o brega, em sua máxima, potência me envolveu em sua dramaticidade. Resistimos...
Performance | Natália Coehl
Provocador | Marcus Mazieri
Direção de fotografia | Rogério Ortiz
Assessoria corporal | Livia Rios
Produção | Papa Fraga e Vitoriano.
RESISTÊNCIA - NO 69° SALÃO DE ABRIL
Resistir... existir... Tenho refletido, neste trabalho, sobre essas duas palavras e suas diversas possibilidades de significados.
Meu corpo nasceu em uma sociedade, a qual sua cultura, privilegia quem a deixa existir. Óbvio? Para que ela exista este corpo precisa receber todos os ensinamentos/condicionamentos, para que ele possa operar dentro do sistema vigente. Já nasci inserida nele e com destino pré-determinado. Recebi do meio os mapas culturais, os quais são passados, de geração em geração, por intermédio do sistema de ensino familiar e escolar. Hoje percebo que meu corpo entrar em colapso. Ele se sente enconcretado, sem caminhos de dança. Mas como desconstruir isso? Acredito que as estruturas não maleáveis sobrevivem porque somos coniventes a ela. Desta forma, quebro em mim esses conceitos ao encontrar espaços de fuga. Para assim, nascer como "ervas daninhas [que] brota[m] entre as rachaduras das nossas calçadas – desse outro mundo para o nosso mundo” (Hakim Bey). As ervas daninhas sempre foram arrancadas de suas existências por ser aquilo que elas são. Não padronizadas. Por tanto, se fazer brotar na diferença é resistir e existir. Encontro espaços para nascer, abrindo fissuras nas estruturas endurecidas do sistema, e crescer forte.
Entre o céu e a terra resistem pessoas
e algumas árvores e bichos
Enquanto vivo o mundo é preenchido
Por um vazio, vazio
Enquanto piso nesse chão eu sinto nada
Eu sinto nada
Quer dizer me sinto muito padronizada
Desse asfalto não nasce nada, nada, nada
Só ervas daninhas que brotam das fissuras das calçadas
elas vão invadindo, preenchendo, ocupando
os espaços vazios da cidade
Enquanto eu observo as cores da verdade
Eu sou uma erva daninha
Me deixa viver...
Paisagem sonora
Esta ação é uma vivência física e a paisagem sonora é a reverberação dessa experiência. Como este corpo reverbera à experiência de estar em baixo de pedaços de concreto? Para compor com a voz, pensamos em utilizar elementos sonoros, que encontramos na cidade. Realizamos algumas vivências para ouvir o som urbano... Furadeiras, martelos, vidro, pedras, pássaros, aparelhos sonoros, meios de transportes, etc, foram alguns dos elementos que utilizamos para trabalhar a paisagem sonora do trabalho. A partir desse material, o trio compôs a sua musicalidade, trazendo para a ação ritmo, os quais nos trouxeram arranjos para expressar as sensações vividas naquele momento. Um trabalho de composição em tempo real, onde o corpo e os elementos do espaço urbano criam uma atmosfera musical para a ação.
Performance | Natália Coehl
Paisagem sonora | Elisa Porto e Nataly Rocha
A Obra
A obra final, deixada dentro da exposição do 69° Salão de Abril, consistiu em compor as pedras do trabalho com uma erva daninha que estava nascendo dentro do espaço expositivo.