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PET

 

Para realizar PET me arrumo como se estivesse indo a um evento da alta sociedade: vestido longo preto, cabelo arrumado com penteado, salto alto, batom vermelho e uma coleira de pérolas, pois ser uma mulher elegante atrai bons frutos. Convido um amigo para passear, de preferência vamos para locais onde podemos encontrar pessoas tão elegantes como nós, que passeiam e compram como se não tivessem nenhum problema para resolver, a felicidade verdadeira. Então entrego a minha coleira de pérolas para o performer convidado a realizar a ação comigo, assumo minha posição de quatro e vamos juntos passear, como se esta ação fosse uma rotina do casal. Trocas de carinho constante: encosto a minha cabeça em suas pernas e ele me acaricia delicadamente. E assim vamos, passeando no reduto do consumismo, eu e meu dono. Fiel e obediente é assim que um PET deve se comportar.

 

 

Fotos de Natan Garcia

PET na Rua Oscar Freire em São Paulo. Participação de Mario Filho

De nenhuma maneira esta ação pretende mostrar o incômodo de estar encoleirada, é uma devoção ao parceiro, o tornando meu proprietário. PET se torna uma reflexão sobre os valores que atualmente estão enraizados em nossa sociedade. Uma crítica à padronização de pessoas e ideias por causa da supervalorização do capital. Verônica Veloso, do Coletivo Dodecafônico, diz em sua tese de doutorado: "É uma forma de mostrar que existem coleiras invisíveis e de perguntar: Você é realmente livre?"

A força de sua imagem, também, invadem os pensamentos machistas e excita nas mulheres uma revolta. Esta ação traz a tona pensamentos com os quais não queremos nos deparar, revelando assim uma sociedade mesquinha e machista.

Compramos, padronizamos e vendemos nossos valores

Como diz Richard Sennett, “o desejo de neutralizar toda diferença, de domesticá-la, decorre de uma angústia em relação a diferença, conectando-se com a economia da cultura global de consumo. Um dos resultados é o enfraquecimento do impulso de cooperar com aqueles que se mantém teimosamente Outros”.

1° ação | Rua Oscar Freire

Participação: Mario Filho

 

Para a primeira ação de PET chamei o performer Mario Filho, que quis compor o trabalho com a performance Cabeça de Presente, que se trata de vestir uma máscara fabricada com papel de presente. Esta ação foi realizada anteriormente pelo coletivo Em Foco de Fortaleza-CE, o qual Mario era integrante.

Combinei com Mario que não iríamos falar, a nossa ação seria apenas passear pela rua, como se fossemos um casal comum. Entreguei a posse do meu corpo para Mario, que me deu um retorno afetuoso. Essa construção física foi muito interessante para o trabalho. Nesse percurso de quatro quadras da Rua Oscar Freire, nós aguçamos vários sentimentos:

Indignação: Mulheres pediam a troca de lugares, como a performance que Valie Export realizou com seu marido, ao passearem com ele na coleira.  Outras acharam que era uma ação de marketing de mal gosto de alguma loja. Além das que se sensibilizaram comigo pedindo para que eu me levantasse.

Surpresa: Algumas pessoas expressaram surpresa, sorriso no olhar, mas não esboçaram seus pensamentos, virei entretenimento.

 

Fetiche: Evoquei impulsos machistas e virei fantasia sexual. Senti que vários homens tiveram interesse em segurar a minha coleira, através de algumas afirmações como: “Quero essa cachorrinha pra mim”, “Não dá mole”, entre outras.

 

2° ação | Shopping Campo Grande

Participação: André Tristão

 

Fui convidada para participar do festival de performance Iperformático em Campo Grande-MS. O festival indicou o performer André Tristão para ser meu “dono”. André estava muito indignado com a administração da prefeitura da cidade, me informou que o prefeito dava regalias de acordo com seu interesse, que a cultura estava desfavorecida, pois os recursos destinados à ela eram desviados para subsidiar eventos religiosos. Então ele propôs usar um colar de tampa de privada para interagir com a performance. Escolhemos o Shopping Campo Grande para realizar a ação. Sem autorização entramos no shopping sem assumir a posição de quatro, mesmo assim uma segurança desconfiada nos seguiu. Assim que montei a posição da PET a segurança logo nos abordou. André foi genial, se tornou o interlocutor da ação, assim fiquei livre para continuar o processo. A segurança não se direcionou a mim em nenhum momento, apenas conversava com o André pedindo que ele me levantasse, atitude a qual reforçou a posição dele como meu proprietário. Através de sua sagacidade, conseguimos nos manter no shopping por uns 15 minutos. O jogo continuou quando resolvi entrar em uma das lojas femininas mais caras do shopping. O gerente não conseguiu fazer nada, apenas observava atônito enquanto os vendedores fotografavam a performance. Desta forma conseguimos ficar mais um tempo no shopping, pois a segurança não podia entrar na loja sem autorização do gerente. Ao sermos colocados para fora, explicamos para a segurança o que havíamos realizado e o porquê. Ps: ela não quis olhar para mim em nenhum momento.

PET no IPERFORMÁTICO em Campo Grande-MS. Participação de André Tristão. Vídeo de Bárbara Lopes.

3° ação | Ocupação Mulheres, Performance e Gênero do Coletivo Dodecafônico

 

Fui convidada pelo Coletivo Dodecafônico para participar da Ocupação 16H que aconteceu na Oficina Cultural Oswald de Andrade em São Paulo-SP. Dessa vez quis experimentar uma nova proposta para PET, a de vender um passeio de 5 minutos, pelo quanto quisessem pagar.

“Passeie com a PET por 5 minutos, pague quanto achar que ela merece.”

Lulu Kema e Beatriz Cruz se interessaram em passar pela experiência de me vender, e para isso propus a elas uma comissão de 10% do valor arrecadado.

1° momento | Rua José Paulino – vendedora Lulu Kema

A Rua José Paulino é um ambiente comercial, onde podemos encontrar artigos de vestuário principalmente femininos. Diferente da Rua Oscar Freire, a Rua José Paulino é popular.

Lulu Kema foi a minha primeira vendedora, senti a sua dificuldade de descobrir uma maneira de conseguir realizar uma venda, afinal deve ser complicado vender um artigo tão precioso assim. Mas ela foi sagaz, deveria estar pensando em sua comissão valiosa.

Neste dia as mulheres não interagiram tanto, mas em compensação senti um frisson mais intenso dos homens. Eu me tornei um fetiche sexual, que eles poderiam materializar ali naquele momento, se estivéssemos em um local reservado. Ali na rua, expostos, nenhum deles teve coragem de dar vazão às suas vontades. Então resolvi excitá-los. Olhares, sorrisos, gestos meigos e delicados, uma verdadeira PET. Todos eles estavam em volta de mim, feito cães famintos encurralando a sua presa. Um deles disse: “Ela poderia estar com uma roupa mais curta, acho que assim iria conseguir alguma venda”. Percebi então que está ação é uma forma de escancarar os pensamentos machistas. Conseguimos R$ 1,10, comissão de R$ 0,11.

2° momento | Oficina Cultural Oswald de Andrade – vendedora Beatriz Cruz

O segundo momento foi diferente, pois realizamos a ação dentro da Oficina Cultural Oswald de Andrade. Minha vendedora neste momento foi a Beatriz cruz, ela realizou uma abordagem mais direta, e por estarmos em um ambiente cultural, tivemos algumas pessoas interessadas em me levar para passear.

A relação de ser vendida para várias pessoas é bem diferente da de ter apenas um dono, pois o sentimento de fidelidade é alterado a partir do momento que me pagam. Isso ocasionou em mim uma sensação de não ter nenhum valor e de apego apenas ao dinheiro. Ganha quem paga mais.

Beatriz relatou que se sentiu muito desconfortável, disse que foi difícil entrar no jogo, mas se manteve firme na venda, aceitando qualquer coisa como pagamento. A sensação de desconforto foi minha também, pois não me deparei com risos nervosos e sim com uma carga pesada de desaprovação. Porém algumas pessoas entraram no jogo. Uma mulher me pegou para passear, ela me olhava de forma sádica, como se dissesse “sou sua dona e se você se comportar bem vai ganhar um petisco”. Tentou correr comigo, ato que acabou quebrando a minha coleira, e no final do passeio olhou no fundo dos meus olhos e disse sorrindo, “olha o que tenho pra você”, e me entregou um óculos de grau quebrado. Como uma boa PET recebi carinhosamente, agradecida e obediente. Apenas uma pessoa pagou e me tirou a coleira. Conseguimos R$ 10,00 e um óculos de grau quebrado, comissão R$ 1,00 e uma alça de óculos de grau.

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